domingo, 25 de maio de 2014

INTOXICAÇÃO POR CHUMBO

A partir dessa postagem, darei início a uma abordagem mais específica de cada um dos principais contaminantes metálicos dentro do grupo dos metais pesados. Nessa série, tentarei sempre englobar aspectos importantes, tais como: fontes de contaminação, mecanismos de ação bioquímica e sintomatologia.  

Para dar início, nada melhor do que um dos contaminantes mais comuns atualmente, seja por sua relativa vasta ocorrência natural, seja por sua utilização em diversos setores da indústria. A contaminação pode se dar, portanto, de várias formas. Sejam elas direta - por operários sem condições ideais de proteção no trabalho - ou indireta. A contaminação indireta se dá em uma enorme variedade. Um exemplo que merece destaque é a intoxicação por tintas contendo chumbo.  

Apesar da grande mobilização atual para se reduzir ao máximo o uso de metais pesados na indústria, um estudo coordenado pela organização ambiental indiana Toxics Link, com apoio da IPEN (Rede Internacional para Eliminação dos Poluentes Orgânicos Persistentes), mostrou que o chumbo ainda é amplamente usado como pigmento e agente secante em tintas para parede vendidas aqui e em outros países em desenvolvimento.  

Esse estudo pesquisou os níveis de chumbo em tintas de parede de 11 países distintos. Pegando o exemplo do Brasil, uma das amostras apresentava concentração de 170.258,4 ppm, quase 300 vezes maior do que o limite estabelecido pela legislação brasileira (600 ppm). Tal quadro é especialmente preocupante ao se levar em conta o possível aumento da intoxicação infantil, tendo em vista que casos de crianças pequenas contaminadas por ingestão de pequenos fragmentos da tinta de paredes são frequentes. 

A manifestação crônica da intoxicação em crianças preocupa especialmente, pois  muitas vezes ataca o sistema nervoso e provoca sequelas neurológicas severas, caso não leve a óbito (a mortalidade de pacientes com acometimento cerebral por intoxicação de chumbo é aproximadamente 25%). Há indicações de que o metal provoque distúrbios no metabolismo dos carboidratos, anomalidade na síntese endógena de nucleotídeos piridínicos (principal fonte de NAD  e NADP durante o desenvolvimento do cérebro), ácido quinolínico e no catabolismo do triptofano (SALGADO, 1996). 

Além dos sintomas neurológicos, a intoxicação pode ainda apresentar efeitos hematológicos, gastrointestinais, e neuromusculares. Sendo as principais queixas dos pacientes vômitos violentos e persistentes, instabilidade ao andar, confusão, prisão de ventre, dentre outros. 
Dentre os vários compostos em que o chumbo está presente, destacam - se basicamente dois: o inorgânico e o orgânico. 
  • Chumbo inorgânico: a intoxicação por esse grupo ocorre principalmente através da via respiratória e digestiva (SADAO, 2002). O chumbo inorgânico distribui-se inicialmente nos tecidos moles e posteriormente, sofre redistribuição e deposição nos ossos, nos dentes e no cabelo. Quase todo o chumbo inorgânico circulante encontra - se associado a eritrócitos. (KLASSEN, 1991). 
  • Chumbo orgânico: a intoxicação por esse grupo ocorre principalmente através do chumbo tetraetila e tetrametila. Apresentam características lipossolúveis, sendo facilmente absorvidos pela pele, pelo trato gastrointestinal e pelos pulmões(KLASSEN, 1991; SADAO, 2002). A toxicidade destes, todavia deve - se a conversão dos mesmos em chumbo trietila e chumbo inorganico (KLASSEN, 1991). 


sábado, 17 de maio de 2014

Metais pesados: visão geral versus visão científica

Hoje em dia, em virtude da vasta veiculação do tema pelos meios de comunicação, certamente não é fácil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do termo "metais pesados". Mas afinal, será que essas pessoas (incluindo você, leitor) sabem de que se trata um metal pesado? Tomando por base as inúmeras notícias de contaminação por metais pesados veiculadas na mídia, é comum enxergar esse grupo de substâncias apenas como um subconjunto dos  metais com propriedades tóxicas.

Todavia, é importante destacar que essa ideia não é válida ao se levar em conta o ponto de vista científico. Apesar de não haver um conceito de metal pesado bem definido no meio acadêmico, pode - se tomar por base uma vasta revisão bibliográfica realizada em 2002 por Duffus e apresentada à IUPAC para tentar delinear o que os cientistas entendem por "metal pesado". De acordo com o relatório de Duffus, se encaixam nesse conceito substâncias de massa específica elevada - acima de 3,5 e 7,0 g/cm3 dependendo da publicação levada em conta - além de massa atômica e número atômico elevados.

Levando em conta outras propriedades, que não as químicas, outros autores, como Hawkes, apontam características importantes para essa definição, como a formação de sulfetos e hidróxidos insolúveis, a formação de sais que geram soluções aquosas coloridas e a formação de complexos coloridos.

Observa - se portanto que, dentre os critérios adotados na conceituação científica, não se encontra a toxicidade. Alguns dos metais classificados como pesados, como o Zinco, o Cobre, o Cromo e o Níquel, são também considerados essenciais às reações metabólicas do organismo, e só se apresentam tóxicos em concentrações relativamente altas.
Todavia, tendo em vista que a toxicidade desse grupo de metais se configura atualmente como uma das maiores ameaças à saúde humana e ao bem estar do meio ambiente, essa é a propriedade cujo estudo tem maior relevância e, portanto, é a que será mais abordada nesse blog. Para dar início à essa abordagem, é importante destacar dois conceitos: espécie química e biodisponibilidade dos metais.

Espécie química consiste, basicamente, na forma em que o elemento se encontra. Todos sabemos que um elemento pode se apresentar de diversas formas na natureza, seja em sua forma livre, ionizado ou ligado a outro elemento. Dependendo de como se encontra, um mesmo elemento pode ou não ter capacidade de interagir negativamente com substâncias vitais ao nosso metabolismo. Esse conceito tem, portanto,  relação íntima com a biodisponibilidade, que é o potencial do elemento de ser absorvido por seres vivos.

Nas postagens seguintes, será abordado o mecanismo básico de ação dos metais pesados, seu caminho desde os dejetos de uma indústria, por exemplo, até nossos organismos e as particularidades de cada metal. Até semana que vem!