domingo, 3 de agosto de 2014

Considerações gerais sobre a intoxicação por metais pesados

Dez postagens e muito conhecimento científico depois, chegamos hoje à última postagem do blog. Acredito que, nesse tempo, os leitores do blog puderam ter uma noção um pouco mais aprofundada a respeito das características dos principais metais. Mostramos que, mesmo que com propriedades tóxicas, a maioria dos metais têm importância significativa em nosso metabolismo e, quando não, grande importância econômica. Por isso, acredito que  os leitores puderam criar a noção de que o controle do despejo dos metais pesados é um tema muito mais delicado do que pode parecer (já que envolve aspectos econômicos e, por conseguinte, o interesse de grandes indústrias). Mostramos ainda aspectos mais ligados à semiologia da intoxicação por metais pesados, aspectos esses voltados ao público leitor de estudantes de medicina. Na postagem de hoje, gostaria de abordar, portanto, a intoxicação por metais pesados em si, e de um ponto de vista bioquímico mais geral. 

Antes de tudo, é importante lembrar que os metais pesados, em sua grande maioria, são compostos de alto peso molecular e, portanto bastante instáveis e reativos. Compostos reativos, em nosso organismo, interagem com um vasto número de outros compostos e, caso estes façam parte de mecanismos metabólicos essenciais, causam desequilíbrios danosos ao corpo. Aí entra o primeiro meio de prejuízo dos metais pesados aos nosso tecidos: eles estimulam a formação de espécies reativas de oxigênio (ROS) ou, em outras palavras, compostos altamente reativos propiciam a formação de outros compostos altamente reativos e isso, por meio de interferências em processos metabólicos essenciais, é altamente prejudicial para nós.

Todavia, esse não é o único meio que os metais pesados se usam para prejudicar nossa saúde. Existem ainda dois outros que consistem, basicamente na mesma coisa: interferir na atividade de proteínas e enzimas proteicas. A diferença é o meio em que isso se dá. Os metais têm a capacidade de atacar diretamente o aminoácido em diversos grupos distintos, tais como tiol, histidina e carboxila, alterando assim a atividade da proteína como um todo. A outra via se dá através da substituição, pelos metais pesados, de metais essenciais como cofatores em proteínas. 

No fim das contas, todas as maneiras vão levar a um mesmo fim: lesar o nosso organismo. Dessa forma, quase sempre podemos aplicar o mesmo tratamento para diversos casos. Além de medidas paliativas (afastar o paciente da fonte de contaminação) o tratamento mais comum e eficiente costuma ser o de quelação (já explicado em outra postagem). Todavia esta não é a única opção. Ainda que não muito aceita no meio acadêmico, a homeopatia é uma opção viável para quem nela acredita. Existem muitas ervas que contêm antioxidantes e têm efeitos desintoxicantes, como o  cardo  de leite, bardanaque podem ajudar a desintoxicar o corpo de metais pesadosOutras ervascomo a spirulincertos tipos de algas marinhas podem ser benéficas porque ajudam a reconstruir o sistema digestivo

INTOXICAÇÃO POR VANÁDIO

Ainda que entre os metais pesados com propriedades tóxicas, o metal hoje abordado possui uma característica peculiar com relação aos já apresentados no blog (com exceção do Manganês) : ele é também essencial. Parece paradoxal o fato de uma mesma substância ser tóxica e essencial ao mesmo tempo, mas tudo se resume a uma questão de quantidade. Quando abaixo das concentrações tóxicas, o vanádio desempenha papel primordial no metabolismo de lipídeos e catecolaminas (vários neurotransmissores se encaixam na categoria) além de interferir no mecanismo de glicogênese. Todavia, o excesso da substância pode causar diversos sintomas, dependendo da forma de contato de do meio de contaminação.  Vanádio inalado, por exemplo, pode causar tosse com muco, irritação do trato respiratório e bronquite. Já quando ingerido em excesso, causa diminuição do apetite, diarréia e agravamento da psicose maníaco-depressiva. Por sua relação com neurotransmissores, o vanádio é neurotóxico, e estudos mostram relação entre doenças mentais e sua alta concentração no organismo.  

Ele não ocorre livre na natureza, mas combinado com outros elementos, como oxigênio, sódio, enxofre e cloreto. Pode ser encontrado em rochas fosfáticas e determinados minérios, carvão e petróleo bruto. Está presente na natureza na forma de dois isótopos: V51 e V50. Suas principais propriedades fisicoquímicas, bem como a porcentagem de existência de cada isótopo estão listadas abaixo: 


Em termos de importância econômica, o aço contendo vanádio é especialmente forte e duro e possui uma melhor resistência ao choque e alta resistência à corrosão. Se não fosse o aço vanádio, talvez nós tivéssemos hoje uma indústria automobilística totalmente diferente, pois é graças à sua resistência mecânica que tornou-se possível a fabricação dos primeiros eixos de boa qualidade para os carros. Ford foi o primeiro a utilizá-lo. Aços contendo vanádio também são muito utilizados na fabricação de ferramentas de melhor qualidade por serem mais resistentes ao uso. 




Eixo de aço vanádio de um carro Ford


Alguns compostos de vanádio são ainda utilizados como importantes catalizadores em processos de contato para a fabricação de ácido sulfúrico (uma das mais importantes substâncias na indústria química), na produção de poliamidas como o nylon e na oxidação de substâncias orgânicas como o etanol e acetaldeído. 



Fontes: 

INTOXICAÇÃO POR ARSÊNIO

Relembrando um pouco a temática da conceituação polêmica de "metais pesados" temos, na postagem de hoje, uma substância que, mesmo sendo considerada um dos principais metais pesados, não se classifica como metal, e sim como semimetal. Deixando questões conceituais de lado, entretanto, vamos abordar agora algumas de suas propriedades. 

O arsênio pode existir em quatro estados de oxidação: -3, 0, +3 e +5, e existem algumas diferenças entre as propriedades dessas formas. Sob condições redutoras, arsenito (AsIII) é a forma dominante; arsenato (AsV), por sua vez, é geralmente a forma estável em ambientes oxigenados. O arsênio elementar (As0) não é solúvel em água, sendo que os sais formados por este elemento apresentam um amplo espectro de solubilidade, dependendo do pH e das características iônicas do ambiente. Algumas das propriedades fisicoquímicas desse elemento estão ilustradas abaixo.


É bastante utilizado como inseticida (na forma de arseniato de chumbo) e herbicida (arseniato de sódio). O Arsenieto de Gálio, composto sintético, possui grande valor para a indústria informática, pois pode ser utilizado como material semicondutor em circuitos integrados. Já o Arseniato de Cobre Cromatado representa um dos principais usos dessa substância. O CCA consiste em uma mistura de três compostos pesticidas - crômio, cobre e arsênio - muito utilizada na preservação de madeiras contra fungos e outros microorganismos decompositores. 



Ainda que fontes como agrotóxicos e a lixiviação de minas de ouro abandonadas sejam muito importantes, a principal fonte de contaminação de arsênio é a ingestão de água contaminada, direta ou indiretamente. Lençóis freáticos de muitos países asiáticos possuem concentrações tóxicas dessa substância, e acredita-se que a irrigação de plantações de arroz com águas de poços rasos contaminados seja responsável pela contaminação de um número muito maior de pessoas, já que arroz constitui a principal fonte de alimento de grande parte da população rural asiática. Bangaladesh é o principal exemplo de uma grande contaminação por arsênico através da água. Na década de 1970, ONGs ocidentais, buscando combater epidemias de cólera e desinteria e aumentar a produção de arroz, financiaram a contrução de milhões de poços. O que as ONGs não sabiam era que os poços foram escavados muito superficialmente, e as águas a que davam acesso estava contaminada com arsênio. Atualmente, de acordo com uma pesquisa publicada em Junho de 2010 pelo The Lancet Medical Journal, 1 em cada 5 mortes em Bangaladesh estão ligadas à contaminação com arsênico pela água dos poços. A Organização Mundial de Saúde classifica o caso como "a maior contaminação em massa da história". 





A toxicidade do arsênico reside na sua propriedade corrosiva e de, após ser absorvido pelo organismo, perturbar vários processos metabólicos essenciais. A intoxicação aguda por ingestão de arsénico ou seus derivados provoca a inflamação e formação de úlceras na boca e no tubo digestivo, provocando por vezes hemorragias significativas e uma série de problemas hepáticos, renais, cardíacos e encefálicos que evoluem rapidamente. Por seu lado, a inalação do gás arsénico manifesta-se através de dor de cabeça, vómitos, sensação de formigueiro, icterícia e insuficiência cardíaca, também de rápida evolução. Em ambos os casos, se a dose ingerida ou inalada for elevada, pode favorecer o desenvolvimento de complicações mortais. Por outro lado, em caso de intoxicação crónica, as manifestações vão-se evidenciando gradualmente e baseiam-se em debilidade, perda de apetite, vermelhidão e úlceras na pele, dor de cabeça, inchaço e debilidade dos membros, problemas digestivos, renais, hepáticos e do ritmo cardíaco, com uma grave deterioração das funções mentais nas fases avançadas. 

Fontes:
http://www.nbcnews.com/id/37958050/ns/health-health_care/t/arsenic-water-killing-bangladesh/#.U94YmPldXT8
http://www.sbtox.org.br/Revista_SBTox/V19[1]2006/V19%20n1_Pag%2033-47.pdf
http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/07/18/noticia_saudeplena,149459/paises-concordam-em-tirar-arsenico-causador-de-cancer-do-arroz.shtml
http://www2.fc.unesp.br/lvq/LVQ_tabela/033_arsenio.html